हरिः ओम्

हरिः ओम्

domingo, 28 de junho de 2015

Descoberta

Dói-me fazer poesia

Ficar presa à redondilha... 

Harih Om हरिः ओम्




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domingo, 14 de junho de 2015

Às vezes sim, às vezes não.



Nenhum objeto, lugar, atividade ou pessoa neste mundo é capaz de nos trazer a segurança que amiúde nelas buscamos. Durante toda a vida eu busquei segurança nos objetos e na atividade profissional. Em lugares e pessoas nem tanto. Os lugares me pareciam diferir em alguns aspectos, uns me agradavam mais que outros, mas essencialmente não havia diferença entre eles, ao menos não para a minha busca por segurança. As pessoas em geral não me pareciam confiáveis: sentia que cedo ou tarde me deixariam na mão, como, de fato, por diversas vezes, aconteceu e creio que continuará acontecendo. E não estou aqui falando de decepção com as pessoas, porque, como frisei, eu já contava com a falta de apoio delas. Era total desconfiança mesmo. «Melhor eu me virar sozinha» — pensava eu. E assim agia. E agindo assim, maior era a insegurança. Eu tinha que dar conta. Comecei a trabalhar muito cedo, aos 15 anos, quando minha mãe me deu a notícia de que não poderia me matricular numa escola particular no ano seguinte. O motivo da queda do padrão de vida da família — que nunca foi dos melhores — foi a separação de meus pais e a mudança que minha mãe, meus irmãos, minha avó materna e eu fizemos de Minas Gerais para o Espírito Santo, onde minha mãe pensava reconstruir sua vida (meu pai então voltou a morar com minha avó paterna, no Estado do Rio de Janeiro). Fiquei apavorada com a ideia de fazer o segundo grau (hoje ensino médio) em uma escola pública. Era década de 1980 e a situação da educação do Brasil conseguia ser pior do que hoje. Havia estudado a vida toda em boas escolas particulares graças aos sacrifícios dos meus pais, em especial, da minha mãe. Eu tinha que passar no vestibular e conseguir uma profissão que pudesse me dar uma «melhor condição de vida». Foi-me ensinado que uma boa condição de vida era conseguir um trabalho bem remunerado: eu poderia escolher qualquer profissão, desde que pagassem bem. Se era mesmo isso que diziam, não saberia dizer, mas era o que eu extraía das mensagens. E sabe o quê? Eu sempre tive «sorte». Desde meu primeiro emprego, sempre consegui boas colocações. E com um detalhe especial: os convites e propostas de trabalho sempre chegaram até mim, com esforço mínimo de minha parte. Meu primeiro trabalho foi como auxiliar em uma biblioteca particular de um advogado. Aos 17 anos, eu já era um prodígio na computação, trabalhava fazendo cálculos de processos judiciais em planilhas eletrônicas e ganhava dinheiro suficiente para custear meus estudos. Não havia mensalidade, apenas os livros, xérox, passagem de ônibus e alimentação, pois na época eu cursava Engenharia Elétrica na UFES. Um ano mais tarde eu faria novo vestibular e ingressaria no curo de Direito também na Federal. Sobrava para ajudar minha mãe a pagar o aluguel, gastar com bobagens de adolescentes e guardar uma parte. Uma parte pequena, porque nunca fui boa com essa coisa de poupança. Aos 20 anos me casei com o pai do meu filho. Ele na época tinha uma carreira muito bem sucedida no mundo corporativo e ocupava um cargo de diretor no mesmo Banco comercial onde eu era Caixa. Por causa do relacionamento, tive de deixar o emprego, mas vinha a calhar já que meu foco era a carreira jurídica e não a bancária. Minha mãe ficou tão satisfeita com este destino — foi dela que herdei a preocupação com a segurança financeira — que, ignorando todos os sinais contrários, aprovou essa precoce decisão de nos casarmos, após breves nove meses de namoro. Colei grau aos 22 anos, grávida de 6 meses de meu filho. Logo consegui meu primeiro trabalho como advogada corporativa em uma grande empresa transnacional. Lá estava eu com meu lindo emprego, bom salário e benefícios. Um apartamento de revista e carros. Mas não era suficiente. Depois de apenas três anos, pedi demissão. Fiquei sentida com a saída, mas nas circunstâncias era o que tinha que ser. Não me abalei. Como a Fênix, ressurgi das cinzas. Foi nesta ocasião que me separei do pai do meu filho. Sem qualquer alteração no nível de (in)segurança (só constataria isso anos depois), fui morar em um pequeno apartamento alugado com meu filho e comecei a trabalhar em um escritório modesto, em bem pouco tempo me destaquei. Deste, fui para outro bem melhor, onde ganhei muito dinheiro e com a mesma força gastei. Vieram muitos objetos: cacarecos, viagens e carros. Buscava ainda uma segurança na forma de um reconhecimento profissional, aliada a uma gorda remuneração. Ficava constrangida quando encontrava colegas da faculdade com uma condição melhor do que a minha. Minha carreira como advogada se consolidou. Cinco anos mais tarde eu sairia de lá para retornar ao mundo corporativo, tendo então trabalhado em outra grande empresa transnacional e nela comido o pão que o diabo amassou, quanto ao aspecto humano, mas sendo muito bem remunerada! Fui sumariamente demitida, após um período de um ano de assédio moral. Foi aí que finalmente ocorreu o primeiro «click» que me levaria ao estudo do Yoga e a muitas mudanças. Vieram um novo emprego na advocacia corporativa e o ingresso no mestrado, com a facilidade que já me era familiar. Nesse período, fiquei tão atarefada que acabei comprometendo a atenção ao meu filho. Ele foi super companheiro e compreensivo comigo. Mas foi também nessa época que ele, frágil, com seus 14 anos, tomou seu primeiro e homérico porre. Eu fiquei arrasada. A constatação: não estava no controle. Tive medo. Novas reflexões sobre a tal segurança, que eu nunca alcançava. Terminei o mestrado. Fui demitida. Passei um ano e meio sem trabalho formal, vivendo de economias, e não tinha energia para iniciar nada na área jurídica. Custei entender o que acontecia: eu havia mudado. A bem sucedida carreira jurídica não me atraía mais e, o que era pior, era só o que eu sabia fazer! E o constrangimento de me sentir fracassada se fez presente. Consegui um cargo no serviço público com um salário mediano, mas era muito tranquilo. Adorei! Depois de um tempo troquei por um cargo em outro órgão, que pagava mais. Dessa vez, o motivo da mudança não foi o salário. Troquei porque as condições que existiam no trabalho anterior desapareceram com a mudança da diretoria. Por enquanto, continuo no serviço público e estou contente de estar onde estou. Meu trabalho não tem visibilidade e tampouco constitui uma carreira para se ascender, mas eu me sinto profundamente abençoada de poder simplesmente trabalhar! Agora sem aquele peso do «tenho que», tenho dado conta de manter a minha família e passei a focar melhor os meus gastos: estamos investindo no estudo de Vedanta e na construção de um espaço para aulas de Yoga e terapias. A vida é simples, mas muito mais leve. Uma mudança de carreira vem aí, mas ainda faltam alguns ajustes e alguns passos. Quer saber se me sinto segura? Às vezes sim, às vezes não. E quando não, eu lembro que existe uma ordem maior do que eu e rezo. Harih Om हरिः ओम्

domingo, 7 de junho de 2015

Religião existe sem religiosidade e religiosidade existe sem religião


Pode soar contraditório, mas religião existe sem religiosidade e religiosidade existe sem religião. Não faz muito tempo, eu estaria tagarelando sobre o tema. Mas agora é diferente. Um senso de responsabilidade me faz silenciar. Escrevo este texto sem nenhuma intenção de ofender quem quer que seja. E penso, penso muito, antes de falar sobre religião e religiosidade. E esse tanto pensar não é garantia de que falarei com propriedade. Então, eu rezo. Om! Nos círculos em que convivo encontro todo o tipo de fé: católicos, presbiterianos, os da Igreja Maranata, os da Igreja Universal, os da Nuvem da Graça, os da Snow Ball Church (tradução: Igreja da Bola de Neve. Isso mesmo, você não leu errado!), mórmons, adventistas do sétimo dia, espíritas “kardecistas”, daimistas, budistas, batistas, islâmicos, luteranos, testemunhas de Jeová, messiânicos, judeus, judeus messiânicos (assumem Jesus como o Messias), Sahaja Yoguis, devotos de Sai Baba, os Hare Krsnas, místicos de todo tipo (dentre estes a lista é grande, então é preciso resumir) , hippies, cientistas, hedonistas, dinheiristas, os escolistas-de-samba, fashionistas, os cultuadores do corpo, os da congregação da Herbalife ,  os agnósticos e os ateus. Tem gente que até combina uma fé com a outra: sintam-se livres para análise combinatória da fés. Por falta de denominação oficial, tive de criar aqui nomes para algumas fés, para melhor me fazer entender. Eu mesma fui turista espiritual durante um bom tempo da minha vida. Eu mesma, em diferentes momentos, já experimentei e também combinei as fés que citei. Quais delas? Todas, exceto duas ou três, e foi só por falta de oportunidade, e não por alguma antipatia ou aversão a priori. De algumas tive apenas uma rápida degustação, em outras mergulhei. O que havia de comum? Eu. Eu estava lá. Experimentando. As religiões são conjuntos de dogmas (verdades fundamentais de caráter indiscutível) que determinam preceitos e proibições, de acordo com os quais o fiel, congregado ou devoto deve pautar seu comportamento no mundo e seu modo de se relacionar com Deus. Do cumprimento ou não das regras, vêm a salvação ou a danação eternas. Intuitivamente, as pessoas têm necessidade de se conectar com algo superior, capaz de reger e dar sentido à vida, conferindo-nos, de uma vez por todas e de forma absoluta, a felicidade. Esse “algo superior” é o que chamamos Deus, a totalidade. Em função de variáveis diversas ― sobre as quais não convém discorrer neste momento para não transformar este artigo num tratado ―, ocorrem deformações na expressão desse “algo superior” dentro da psique humana e daí, no lugar que seria ocupado por Deus, surgem outras expressões, mais ou menos concretas, do ponto de vista relativo, porém todas mais limitadas que o conceito de Deus, tais como o dinheiro, o conhecimento, o poder, o sucesso, a fama, a beleza, o prazer, devido ao seu potencial de produzir felicidade transitória. De acordo com o que me foi ensinado desde muito cedo, Deus criou o mundo e a nós, as criaturas. Ele vivia lá na Morada Divina, no Céu, enfim, num lugar que nunca pode de verdade entender onde ficava, e de lá mandava recompensas e castigos de acordo com sua decisão prévia sobre quem era agraciado ou desgraçado (Santo Agostinho). Um pouco mais tarde, trocaria a parte do raciocínio referente ao critério de graça e desgraça pelo critério do merecimento ou dignidade: recompensas e castigos de acordo com mérito e demérito. Mas Deus continuava lá, lá bem longe, inexorável, mandando essas coisas. De qualquer modo, a gente tinha de rezar, esperando estar na lista dos agraciados ou merecedores. Aparentemente, Deus me mandava recompensas e castigos alternadamente, não dava para concluir se era agraciada ou desgraçada, merecedora ou indigna. O problema da dor não tinha solução.E restava ainda problema do destino: todos morreremos e, pior, sabemos disso! Se fomos criados e colocados aqui, para onde iremos? Recebi muitas respostas: céu, plano espiritual, mundo dos mortos, umbral, purgatório, inferno, juízo final e o “nada”. Apesar disso, porém, a maioria de nós sente a morte bem longe, lá no fim da vida, onde, aliás, ela está, só não sabemos se isso será daqui 20 anos, 20 dias ou 20 minutos. O mesmo não acontece com a polaridade do bem e do mal, a qual, querendo ou não, testemunhamos e vivenciamos dia a dia. Não podendo ignorá-la como fazemos com a morte, dela tentamos escapar de várias maneiras. A principal forma de fugirmos do mal é a identificação de nós mesmos (ego) com o bem e a projeção do mal nos outros, com sua personificação máxima em Satanás ("o inferno são os outros” ― fala de uma personagem na peça Huit-Clos de Sartre). E ninguém pode se sentir seguro ou viver em paz convivendo com demônios. As religiões em geral reforçam este equívoco separando o bem do mal, sendo Deus um repositório exclusivo do bem. Quando vislumbramos a sombra do mal em nós, sentimos que estamos separados de Deus. Nenhuma religião ou pensamento filosófico se mostrou completamente hábil a me mostrar uma saída para este labirinto que é viver. Mas aquele sentimento natural que nos impulsiona à conexão com “algo superior” permanece.  Demora um tanto para uns, bem mais para outros e nem chega para outros tantos, o entendimento de que essa busca não se faz para fora e sim para dentro. Religiões, assim entendidas como aquele conjunto de dogmas que modulam o pensamento e o comportamento dos devotos, são expressões eminentemente externas, e, por serem assim, podemos dizer que são os primeiros passos do caminho espiritual ou rudimentos da espiritualidade. A religiosidade, no entanto, é o sentimento religioso, a capacidade de transcender aos objetos da adoração e do culto externo e buscar o significado teleológico da religião que é a conexão com algo superior, que, não estando do lado de fora, nos objetos, só pode ser encontrado em nós mesmos, no sujeito (em outra oportunidade vamos falar aqui Blog sobre o que é necessário para que isso ocorra). A religiosidade madura se converte em devoção. De verdade, são palavras sinônimas. Eu prefiro usar a palavra devoção. A devoção pressupõe a compreensão de que existe uma ordem dentro da qual existimos, que determina o resultado das nossas ações e a qual não podemos controlar. E justamente por saber que não estamos no controle, rezamos e fazemos nossas saudações a esta ordem superior.  A consciência de que não estamos no controle nos livra da culpa. A devoção pressupõe a ausência de julgamentos, sem separação do bem e do mal, pois esta é a única forma de se viver em paz. Ser devoto significa reverenciar o sagrado que tudo permeia, e “tudo” inclui o próprio devoto. Para um devoto verdadeiro, qualquer forma de Deus é sagrada, por isso, ele prescinde de uma religião. Honra-se a vida, a própria e a dos demais seres, humanos e não humanos, de todos os reinos, de todas as cores, de todos os mundos. Ser devoto é sentir e desfrutar do perfume da bem aventurança, da Totalidade que é Deus.  Harih Om हरिः ओम्

Onde estou, Deus está.



Salto do ônibus. Já é tarde da noite quando volto do trabalho: dou aula até 22h20. Ainda tenho uns 10 minutos de caminhada até chegar à minha casa. Moro no centro histórico, na parte chamada Cidade Alta, e lá os ônibus comuns não circulam ― não há espaço para eles. Da Avenida Jerônimo Monteiro, pego a Rua do Rosário. Tem este nome por causa da Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Uma igreja católica construída há mais de 400 anos e que era reservada aos escravos africanos. Hoje é local de visitação, um museu dos tempos de colônia e império. Nela só acontece celebração no dia da tradicional procissão, 27 de dezembro. Sua história é marcada pela rixa que a comunidade do Rosário (os peroás) tinha com a comunidade do Convento São Francisco (os caramurus), em torno da imagem e da procissão de São Benedito, o santo preto e pobre. Mas essa história é longa, fica para outra hora. Salve Nossa Senhora do Rosário, Salve São Benedito! Sigo em frente, entrando à direita na Rua Graciano Neves e logo viro na ruela Professor Baltazar. Na esquina com a Rua Sete, uma rua de pedestres, lê-se a placa da cartomante que atende no segundo andar e promete ler sua “sorte”. Usa “Vovó” como tratamento. Saravá Umbanda!  Ao redor, a aglomeração de bares onde, de terça a domingo, as pessoas de aglomeram, conversam, batem papo, tomam tragos, dão risadas, assistem ao futebol, fumam, cantam sambas e usam smartphones. É a região boêmia do centro da Capital. Era para ser alegre, mas eu vejo zumbis. Culto a Dionísio. Em meio a isso, localizada na Galeria Sete, onde está a escada rolante mais antiga da cidade ― já foi um dia a atração da meninada, que ia até lá para brincadeiras de subir e descer ―, a Tenda de Abraão vende livros e produtos para os cultos judaicos. A Rua Sete é comprida e subindo-a até o fim, chega-se aos pés do Morro da Piedade, a comunidade está instalada dentro do Parque Municipal da Fonte Grande. Quando é quinta-feira, é possível ouvir cá de baixo o som das percussões no ensaio da bateria da escola de samba. Culto a Momo! Aqui começa a subida. Mais a frente, encontra-se à esquerda, um Centro de Johrei, da Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Para quem não sabe, o Johrei é uma canalização da Luz Divina e a Messiânica é uma Igreja que surgiu no Japão. A verdade, o bem e o Belo! Continuo subindo a rua até o Palácio da Fonte Grande, edifício onde funciona a sede do governo do Estado, com seus mosaicos modernistas. Monumento ao Poder. Ou seria um mausoléu? Se eu seguisse na Rua Sete por mais uns poucos metros, encontraria a Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, cujas torres pontiagudas têm algo de quase gótico. Glória a Deus! Em frente a ela, do outro lado da rua, os botequins “pé sujo”, o mais famoso é o Bar da Zilda, a elite gosta de vir porque é “descolado” frequentar o centro da cidade. O centro de tão cult passou a pop. Culto a Morpheo. Mas eu não sigo, em frente ao Palácio, dobro na Rua Coronel Monjardim. À minha direita a pequenina Igreja Assembleia de Deus. Pequenina só no tamanho do salão, porque no volume do som na hora dos cultos é um gigante. Aleluia irmão! Do outro lado da rua a murada da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em estilo barroco. Muito concorrida para os casamentos. Seu carrilhão toca alto porém delicadamente. Da minha casa, na rua de cima ― ufa, já estou quase chegando! ―, eu o ouço ao meio dia e à Hora do Angelus, quando então ele toca a Ave Maria. Subo a ladeira da Rua Serrat, é muito forte a subida. No topo, estou sem fôlego. Respiro fundo, e aliviada, a subida agora é mais suave. Se fosse mais cedo, eu poderia pegar a direita, e encontraria o Centro Espírita Bezerra de Menezes ainda funcionando, com suas palestras e atendimento mediúnico. Assim Seja! Mas é tarde, hora de ir para casa, torno à esquerda e já estou na rua Uruguay, avisto minha casa a uns poucos metros de subida. Lembro que se fosse domingo, pela manhã, eu poderia seguir na minha rua até o final, passar em frente ao Convento São Francisco, do qual hoje só restam ruínas em restauração e contemplar por instantes a beleza de sua fachada refletindo raios do sol, emoldurada pelo azul do céu de Vitória, desceria pela Rua Dom Fernando e encontraria a Sinagoga Beit Tefilah Rechovot, do Judaísmo Messiânico. Shema Israel! Yeshua Hamashia! Mas não é domingo e alta é a noite. Aqui por perto só há uma igreja possivelmente aberta a estas horas: a Igreja Universal do Reino de Deus, lá no Parque Moscoso, perto daqui, perto da sinagoga. Para chegar lá, basta pegar a Rua Caramuru, depois do Convento. Jesus Cristo é o Senhor! Estou chegando à minha casa. Depois de um longo dia de trabalho, estou cansada, com fome e sono. Giro a chave, os cachorros latem e fazem festinha. Um pensamento me vem: Onde estou, Deus está. Eu rezo: que bom! Om!  Harih Om हरिः ओम्

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Agradeço, perdoo e deixo ir

Chega a ser estranho falar disso agora. O tempo passou, e o vento das mudanças e das alegrias novas levou consigo folhas, poeira, lágrima, raiva, ressentimento. A lembrança ainda tenho. Nunca desejei ou cogitei trabalhar ali, até aquela tarde em que o telefone celular tocou e do outro lado da linha, uma voz masculina me fazia um convite: __ Tenho uma proposta de trabalho que acredito que vá lhe interessar. Confesso que de imediato não me empolguei, nem mesmo pelo fato de ser uma empresa transnacional de grandíssimo porte, sonho de muitos profissionais. Mas o convite vinha bem a calhar: eu estava em vias de encerrar uma parceria de 6 anos no escritório jurídico onde até então eu trabalhava. Caiu-me como uma luva. A alternativa seria eu montar meu próprio escritório, mas não tinha recursos suficientes. Eu ganhava dinheiro com certa facilidade... e com a mesma facilidade gastava. Mas era só dinheiro o que faltava. Faltava-me também coragem. Erguer e manter sozinha um negócio parecia-me muito difícil. E também não encontrava uma parceria. O convite era para atuar como advogada aqui mesmo na minha cidade, na gerência jurídica local. Apresentei minha expectativa salarial sem nenhum pudor, afinal de contas eu nem fazia questão de trabalhar lá, e, para minha surpresa, foi aceita. Na hora isso me fez pensar que podia ter pedido mais ― meses mais tarde, quando eu já entederia melhor as regras de ascensão na carreira, eu descobriria que ganhava mais do que todos os colegas da equipe e que já estavam lá há anos. E lá estava eu, “bem empregada”, ótimo salário, com plano de saúde excelente, plano de previdência privada, bolsa de estudos para meu filho na melhor escola da capital do Estado, participação nos lucros e resultados. E sem nenhum brilho nos olhos. Era 2006. O ar era difícil de respirar ali dentro. As palavras eram cuidadosamente medidas antes de serem pronunciadas. Proibido falar de quanto se ganha. Relatórios. Revisão do relatório, outro relatório. Reuniões, muitas reuniões. Ah, sim... e as tais “conference calls”. Aturdida sobre o que era prioritário no meio daquilo tudo ― e quase tudo me parecia de uma inutilidade absurda ― tive minha primeira lição sobre o que é prioridade dentro de uma corporação: o que o seu chefe pedir. Questões jurídicas? Não eram prioridade. Pelo menos não até significar a possibilidade de perda de prestígio de algum chefe. Os mais altos graus da hierarquia “exigiam” respeito. Claustrofobia. Falta de ar. Cuidava de mais de 1.000 ações indenizatórias de acidentes de trabalho e acidentes ferroviários, de assuntos de direito ambiental e de direito penal. Eram cerca de 15 contratos com escritórios jurídicos de primeira linha espalhados pelo país para eu gerir. Metas e Objetivos. Mas na época eu era muito produtiva, realizava minhas tarefas (inúteis, em sua maioria, a meu ver) judiciosamente e com presteza e passava ociosamente o resto do tempo. Criatividade nas alturas, ideias novas para problemas velhos. Eu “me destacava”. De verdade, era fácil, muito fácil para mim. Se eu discordava da chefia na análise dos problemas, simplesmente emitia minha opinião de modo assertivo e sem rodeios. E fazia isso pensando que estava contribuindo para o esclarecimento das questões, para a solução. Afinal, supunha eu ser paga para isso: resolver problemas. Erros mortais no mundo corporativo: destacar-se e discordar do chefe. Não sabia, mas estava fazendo um pouco de tudo que tem de pior para uma carreira no mundo corporativo. Nunca soube fazer essa tal gestão de carreira. Olhando para trás, vejo em mim inocência e ingenuidade, que muito longe de serem qualidades, eram vistas como graves defeitos. Até porque “ninguém” acreditava que eu fosse realmente daquele jeito. Mentira. A minha chefe não acreditava. Era minha primeira experiência numa estrutura corporativa como aquela. Aconteceu que o chefe que me contratou foi para outra empresa e uma advogada da nossa equipe foi promovida e assumiu a gerência. No início parecia que tínhamos afinidade: idades próximas, tipos físicos, formação acadêmica etc. Só aparência. Nossa relação se deteriorou rapidamente. Ela era muito competitiva. E eu tenho horror à competição. Tudo em mim era ameaça aos olhos dela: minha competência, meus conhecimentos jurídicos, minha aptidão para liderança. Até minha aparência. Vocês devem estar se perguntando: o que eu estava fazendo lá?! Por que não me demitia ou era demitida? Não me demitia porque acreditava que precisava daquele emprego. Não era demitida porque o Diretor executivo gostava muito de mim. A deterioração de nossa relação se acentuou por ocasião do casamento dela: ela me acusava de ter, de propósito, roubado-lhe a cena. Como eu teria conseguido isso até hoje não sei ― chamar mais a atenção do que uma noiva é uma proeza, não é mesmo?! A partir daí minha chefe tornou minha vida um inferno diário. Dia após dia, eram gritos, chamava meu nome aos berros, passava meu trabalho para estagiário fazerem e as tarefas dos estagiários para eu fazer, me desqualificava pessoalmente, desmerecia meu trabalho, negava qualquer participação minha em cursos e treinamentos, marcava reuniões e não me avisava ― logo, eu me atrasava ou não comparecia. Meu filme estava queimado. Aumento de salário, promoção?...  nem pensar. Nem mesmo uma transferência para outro setor. “Tudo fechado”. Eu não via saída, apesar de a porta por onde entrei ter continuado sempre aberta. Frustração e medo. E o sentimento de injustiça. Sabe o que era o mais louco de tudo isso? Eu não era capaz me ver como a vítima. Meu sangue estava sendo sugado diretamente de dentro das minhas veias, eu era pisoteada na cabeça, chicoteada nas costas, minha moral era aviltada e mesmo assim não sacava a fundura do poço. Estava completamente equivocada sobre minha condição naquela história. Acreditava estar em igualdade com a chefe, no controle dos rumos. E como eu não me percebia como a vítima, que de fato era, eu também, por consequência, não me defendia e nem pedia ajuda. Eu sofria e me sentia sozinha. E o sentimento de abandono, que já me acompanha desde que lembro da vida, fincou raiz e botou galho. Faltou-me discernimento. Então, meu corpo adoeceu. Hemorragia interna: úlcera duodenal. Exame endoscópico: negativo para h. pylori. Ufa! Por exclusão, decretou-se: causa emocional. A médica gastroenterologista entendeu de me encaminhar a um psiquiatra. Eu devia tomar ansiolíticos. Eu não queria, me achava muito jovem para a tarja preta. Não fui. Procurei um homeopata e com ele consegui controlar a tensão. Graças a Deus. Também por recomendação médica, retomei a psicoterapia que muito me ajudava, mas estava longe o dia em que eu cairia na real em relação a tudo isso, ainda se passariam anos antes desse momento. Enquanto eu tentava lidar com tudo isso, e ao mesmo tempo esconder das pessoas ao meu redor o que eu entendia como um fracasso porque me dava uma vergonha de passar por aquilo, eu também tentava poupar meu filho, porque julgava que já era bastante para ele lidar com o coração partido pela separação dos pais, e minha mãe, porque julgava que ela também já suportava peso demais na vida. Naquela época, havia pouco que eu havia saído de um relacionamento, então não tinha um companheiro com quem compartilhar e para me apoiar. Então, sem misericórdia nenhuma de mim mesma (eu me odiava?), eu me impunha a ordem mais cruel: você tem que ser forte e tem que dar conta sozinha. Sendo assim, eu não precisava de nada e nem de ninguém. Quando na verdade eu precisa ser acolhida: __ um colo, um abraço, por favor! ― gritava meu coração afônico e nem eu me ouvia. Eu estava morrendo lentamente. Foi então que Deus achando que já era suficiente resolveu botar um fim, porque se fosse contar comigo para finalizar aquilo, podia esquecer. Eu padecia de uma total disfunção, inaptidão para enxergar minha fragilidade e “me salvar”. O Diretor Executivo que me protegia se desligou da empresa em julho e minha chefe me demitiu sumariamente, sem nem mesmo expor o motivo, no primeiro dia de agosto do mesmo ano. Os colegas me olhavam em silêncio. Um único que falou em meu favor menos de 6 meses depois pediria sua própria demissão. Desmoronei. O gigante de pedra ruiu. Fui dominada por um sentimento de inferioridade, de carta fora do baralho, de impotência sem limites. Não havia nada que eu pudesse e nem que eu de verdade quisesse fazer para reverter. E eu não tinha a mínima ideia de como recomeçar. Mas como eu não me dava o direito de ser frágil, vítima, fraca, desamparada  ― tudo que eu realmente era naquele momento ― eu me feri a mim mesma mais uma vez, e, sem respeitar meu luto, fui à luta. Menos de um mês depois eu já tinha um novo trabalho e um novo lema: o silêncio. Perdi a ingenuidade e espontaneidade. Entendi que precisava me proteger (consegui com a psicoterapia), pois nem todos que nos cercam ou cruzam nosso caminho estão a fim de nos ajudar ou de serem legais conosco. Mas sabe o quê? Era como se, pela milésima vez nada vida (sim, houve outros episódios dessa mesma natureza), eu tivesse de novo 15 anos pronta para perder a inocência: fingindo da melhor maneira possível ser adulta, segura e dar conta de tudo, mas por dentro como uma menininha assustada, sozinha de noite na escuridão da floresta. O tempo passou, e o vento das mudanças e das novas alegrias levou consigo folhas, poeira, lágrima, raiva, ressentimento. A lembrança ainda tenho. A ferida, embora às vezes abra, cicatrizou, não sangra nem dói mais. E não acho estranho falar disso agora, é mais escala dessa viagem que trouxe até aqui. Agradeço, perdoo e deixo ir. Harih Om! हरिः ओम्

Leiam também o texto de João Goulart sobre seus sentimentos diante de uma dificuldade enfrentada na vida.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Meu encontro com o Yoga e com o Vedanta

दक्षिणामूर्ति (Dakṣiṇāmūrti)
Desde que me entendi por gente já tinha a mente assolada por perguntas. E as respostas que a mim chegavam definitivamente nada respondiam. Cresci numa família com orientação religiosa, mas aos poucos fui fazendo meu próprio caminho. Vou contar como foi meu encontro com o Yoga e com o Vedanta. Tinha na época 21 anos, estava muito curiosa em saber o que afinal era esse tal Yoga... Soube, então, que perto de onde eu morava, uma senhora de 70 anos dava aula de āsana (posturas físicas) e yoganidrā (“sono consciente”, aquele “relaxamento” que acontece na parte final das aulas). Ela era incrível, Dona Maria Helena, um ser humano muito especial. O cabelo já todo branco preso numa grossa trança que lhe caía até a cintura. Aquela coluna septuagenária perfeitamente ereta, ali em padmāsana (postura de lótus). A tranquilidade e a doçura de sua fala, sempre tinha para dar uma receita de chá, de um remedinho caseiro, um conselho, um consolo, um abraço. Uma mãezinha. Mais que tudo, lembro de sua alegria. Dona Maria Helena já deixou o plano físico. Meu começo no Yoga com ela durou pouco mais de 2 anos e foi muito abençoado. Depois veio o Lorenço, com quem pratiquei por outros 2 anos. O professor da Paz. Eu estava no auge da minha capacidade física: forte e flexível. Era capaz de fazer qualquer postura que ensinavam nas aulas. Mas nunca era o bastante. De verdade, eu não entendia nada. Aquela coisa de prānāyāma (“exercícios respiratórios”), dhāranā (“concentração”), dhyāna (“meditação”), eu só remedava o professor, feito macaco. Mas, sabe o quê? Era bom, me ajudava. Foi com Lorenço que comecei a me interessar por estudar Yoga. E foi por isso que segui na busca. Vieram primeiramente as leituras dos autores brasileiros Professor Hermógenes, Caio Miranda e Mestre de Rose. Vieram também outros professores: 3 anos praticando Haṭha Yoga e Yoga terapia hormonal (pode até ser invenção... mas recomendo fortemente para as mulheres com problemas de TPM e menopausa), mais 6 praticando no método de B.K.S Iyengar, quando mergulhei fundo na disciplina de construção das posturas e alinhamento corporal. Foi em 2008, em meio a uma intensa crise no campo profissional — durante a qual me submeti a forte assédio moral, todos os dias, ao longo de um ano, até culminar com a minha demissão —, que me surgiu um convite para um curso de formação de instrutores de Haṭha Yoga Integral, nos moldes propostos por Svāmī Satcidānanda Sarasvatī. Meu professor foi Alexandre Moretto, o Gōvinda. Seu nome é música. É o professor querido das sessões de mantra ao som orgânico dos tambores, e do melhor yoganidrā que jamais fiz! Do curso de formação, a aula que mais me marcou foi a dos yama e niyama: a ideia de que Yoga não se resume a uma prática de 2 vezes na semana numa sala, mas que se trata mesmo de um modo completo de se viver. Quando passei eu mesma a dar aulas de Yoga, não podia faltar esse elemento: o Yoga para a vida. Há 2 anos, num dos aulões que costuma dar aos sábados (atualmente não mais), entrou um certo instrutor de grupos de meditação e técnicas respiratórias que havia conduzido um grupo naquele mesmo espaço horas antes e fez minha aula. No yoganidrā, ele caiu no sono. Estava cansado. Tive pena e não o acordei nem mesmo quando a aula acabou. Ele entrou não somente na aula de Yoga, mas de vez na minha vida e não saiu mais. Jean Carlo, ele também aluno do Vedanta Online. Meses mais tarde, ele também faria o curso de formação de instrutores de Haṭha Yoga Integral. Um belo dia, quando ele preparava uma aula de Yoga, encontrou a reportagem do Professor Jonas Masetti para o Globo Repórter e, logo, o curso online grátis de Vedanta. Logo na primeira aula, em que se tratou das 3 buscas do ser humano, eu me dei conta de que havia algo ali, algo grande, importante, que eu precisava saber. Assim que terminaram as 8 aulas do curso online grátis (1ª temporada), Jean Carlo e eu nos tornamos alunos do curso regular — Turma  Shiva शिव. Mais recentemente, meu filho também decidiu ingressar no curso regular Turma Durgā दुर्गा. Claro que isso muito me alegrou. Coração de mãe transborda. Há muito ainda o que aprender, mas a mudança que experimentei é profunda: mais gratidão, mais compaixão, mais entrega. A devoção presente. Um cheiro de liberdade. Uma simplicidade que nunca havia experimentado. Muitas bênçãos! Há muito mais para se falar, mas fica para uma próxima. Harih Om हरिः ओम् !!!


Leiam também o texto de Bianca Vettorato sobre o encontro com o Vedanta.